sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Nada Mais

Mesmo o ar a sufocar-me;
Mesmo a fome a corroer-me;
Sinto-te, de alguma forma, ao meu redor.
Não me trazes nada;
Não me representas nada...
a não ser uma fatídica expectativa.
Eis meu carrasco: uma expectativa.
Não sou daqui, nem jamais serei;
Venho à ti por uma assombrosa empatia;
Um misto de mistério com diversão,
que se mostra curiosamente lascivo.
Uma pena.
Uma pena tudo que abri mão, por uma incerteza insana;
Que agora (neste momento) me leva ao torpor;
À mais desleixada das decisões mundanas:
Me leva à perda da razão e dos sentidos;
Quanto mais feres, mais mulher te tornas;
Quanto mais sangue jorrar da mesmíssima ferida, 
sei bem eu,
mais te realizas.
Pois é o teu vazio que se vê preenchido;
As tuas lágrimas inatas encontram em mim, um motivo;
Uma bengala onde se apoiarem. 
És espuma da água que quando seca vira pó,
nada mais.
Nada mais.

Foto: Matt Palumbo

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A Busca do Esquecimento

Detenho os impulsos;
Confronto os antigos fracassos,
a fim de mitigá-los no tempo,
e assim os deixar enferrujar sob sol e chuva.
Apenas não os quero de volta;
Então não os recolha;
Não os coloque sobre minha cama em uma tarde que eu não estiver em casa.
Não volte.
Não me obrigue ao tremendo esforço de sorrir;
De falar que tudo está bem.
Talvez esteja. Mas me incomoda, pensar nisso;
O álcool e as cinzas continuam sendo a companhia perfeita.
Um hábito que não quero mudar;
Não quero que você tome o lugar deles;
Pois sequer merece.
Ao invés disso, guarde sua soberba;
Tente não exalar a sua altivez travestida de compaixão por aqui;
Não há mais caprichos que se curvarão a seus pés;
Curiosamente, eu não mais consigo ver seus pés.
Certamente enferrujaram e juntaram-se à terra;
Como em breve, todo o resto de você.

Foto: Jonas Tucci
Modelo: Andressa Goulart Crosseti - http://andressagoulartcrossetti.blogspot.com.br/

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Desprezo

Sei que tenho sido tolo ou inconsequente;
Absorto em uma dissimulação contemplativa;
Me mantendo cego às linhas relevantes,
Que me condenariam por ser, como por não ser.
Sem nada a perder, exceto a razão,
Que quando não pune, jamais absolve;
Nunca quis que paraíso algum me encontrasse; 
Muito menos que longos cabelos se pusessem a lavar meus pés;
E se me mantenho tolo ou inconsequente,
Minha consciência vaga à deriva,
E não se importa nem com o caminho, nem em vagar.
Nem com sua camiseta branca, nem com seu longo vestido vermelho.
Faço os demônios se mitigarem em álcool e cinzas,
Como faço o interesse se mitigar em desdém.
Enquanto muitos não conhecem o chão,
Faço do rastejar meu prazer quase que doentio;
Tolo e inconsequente.
Canso, levanto, me dou ao álcool e às cinzas,
E volto a vagar.

Foto: Autor desconhecido

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Culpa

Só se aprende o significado de uma experiência,
Quando se vê o estrago causado, o preço pago;
E sem perceber, ficamos endividados em dor,
Dívida a ser paga em cada experiência, internalizada tarde demais.
Com a dor, se paga o prazer da outra parte,
Que assim se exalta em orgulho e soberba.
Vejo-me convocado a sempre morder a isca que me jogas;

A ser o ar que preenche seus pulmões por um breve instante antes de descartado;
Vendo-me de fato, a tornar-me o pó que pisas.

Foto: Rasmus Elm

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Beleza da Inocência

Saio;
Defrontando toda e qualquer circunstância;
Movido por uma inquietude latente, inconformada;
Procuro, pela ânsia de sentir, de ter;
Levado ao naufrágio pelas próprias virtudes;
Desamparado pela coerência.
Encontro;
Em estado febril e sonolento;
O espinho doce, quente, convidativo;
Da rosa perfeita que me envolve em calmaria;
Me encontro ali, a contemplar suas cores;
A leve dança que se desenha ao vento;
A beleza inocente, simples e absoluta;
Me prendendo a um sonho com o despertar programado.
Vivo;
Todos os momentos em um apenas;
Acompanho tudo, com olhos, boca e pele;
Seguro, absorvo, engulo... 
O tempo a espreita, traz o definhar da vida;
Leva embora todo brilho, toda cor.
Morro;
Na incansável luta do esquecer;
Na lentidão da lembrança que ainda me alimenta;
Ou alimenta a rosa que agora vive em mim;
E por mais que eu queira,
Esta se nega;
Se nega a morrer para fora de mim. 

Foto: Diego Marcatti

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Esquecimento

Queima sem ser fogo;
Sufoca, tudo e a todo momento;
De natureza indômita,
Só destrói, deliberadamente.
Suporto, sangrando;
Agrado, sangrando;
Ouço, sangrando;
E permaneço inerte.
Não por vontade, mas por devoção.
Tão nociva quanto o próprio esfriar da carne;
Padeço, ao prazer de quem assiste;
Inerte, benevolente, frio a olhos e ouvidos.
Drenado de toda vaidade pela artificial sensatez;
Tomado de culpa por um "se não tivesse..."
Como o disparar desastroso percebido tarde demais.
Num espetáculo oferecido a olhos cegos e insensíveis;
Padeço, de boa vontade, antes do cair das cortinas;
Guiado por mão alguma;
Dirigido às entranhas da dor;
Na ingênua busca pelo esquecimento;
Não por vontade, mas por razão;
Precedida por um triste abrir de olhos;
E padeço, ao prazer de quem assiste.

;.
Foto: Maria Avelino

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Nada mais, de Mim

Se dar demais é deveras um erro;
De todos, creio ser o mais inoportuno.
Não me chame de volta;
Este é o lugar onde não devo estar;
Não devo me permitir ir até aí.
Por ter me alimentado tanto de você;
Dei à ti tudo o que fui, e mais;
Me envenenei consumindo-te;
Me entreguei ao gosto amargo,
Insensível à tudo.
Enquanto isso, você me preenchia com uma falsa paz;
Enchia minhas veias com sonhos frágeis...  frágeis demais!
Segurando minha cabeça em delírios e afagos;
Com olhos calmos e beijos levianos;
Carregando-me...
Peguei demais de você para mim.
Não percebi que era eu quem se entregava;
Não percebi meus restos fluindo para você.
E você, em sua fome voraz, não permitiu sobrar nada;
Nada de mim.

Foto: José Magalhães

sexta-feira, 30 de março de 2012

Nossas Cinzas

A queimar e a sorrir;
Não se tem nada por real;
Como o sangrar silencioso e lento do florescer;
O cair das cinzas não se faz percebido.
Ao contrário, o vento que grita ao rasgar cortinas;
Se mostra presente sem efeito algum... senão estético.
Solenemente nos damos as mãos;
E juntos saltamos em catarse,
Entregues a esmo para o indiferente adormecer;
Para a mútua cessão de estímulos;
Para o enterro de todo interesse.
Nos fazemos inanimados;
Nos prostramos descalços, porém coroados;
Envoltos em frases ensaiadas,
Não nos damos conta do caminhar tendencioso,
Da verdade, que definha.
Sem mais cortinas a rasgar.
O vento recolhe as cinzas;
Fazendo de nós, o nada;
Com os cumprimentos de todo sentido que uma vez, talvez,
Aspirávamos a fazer.

Foto: José Magalhães

sábado, 24 de março de 2012

Aceitação

Sustento a respiração por vergonha;
Sem mim estás...  e assim permanece;
Certo de querer teu corpo inteiro,
Mas não tua mão;
Que abre em mim mil feridas;
Que faz pulsar o que não sentes.
De tudo e qualquer coisa que falo;
Não lhe diz coisa alguma.
Instintos só atrapalham;
A lógica transformada em emoção;
E a preocupação estimula a fuga.
O prazer e a dor semeados;
Fazem florir o desespero;
Conhecido sem sentido;
Ao passar dos dias sufocado, retraído;
No derramar espesso que cobre a noção de tudo;
Que cala o cantar dos sonhos.
Não me reconheço em nada;
Não mais faço juz aos títulos;
Não quero voltar.
Me esforço a crer no que devo;
Na unidade, fragmentada pelo silêncio;
E o que isso representa;
Desviando da angústia estridente;
E me apoiando no hábito formal da aceitação.

Foto: Unknown

sexta-feira, 23 de março de 2012

Canção Antiga

Imagino que seja longe, para onde vou;
Certo de que as vergonhas e os fracassos.
São realmente dignos de serem levados comigo;
Espero ter talvez, alguma relevância;
Que alguém talvez faça uso de mim pelo caminho;
Para qualquer fim que seja.
Frágil demais para não imaginar te ver depois de uma curva ou outra;
Ou debaixo de uma garoa num passeio de domingo a tarde;
Me faço disponível e me ofereço;
Para qualquer fim que seja.
Não que eu não canse;
Apenas me sinto bem, proporcionando o usufruto.
Sirva-se de mim;
Antes que eu seque, vire pó e me jogue ao vento;
Feito uma canção antiga que não se ouve mais;
Antes que eu atinja o "longe".

Foto: Dalila Silva

quinta-feira, 22 de março de 2012

Copos de Vida

A mesa se mostra inabitada, senão por mim;
Esvazio todos os copos servidos pelo tempo;
Este nunca se cansa de trazê-los.
Lá fora chove na maior parte do tempo (mas não o tempo todo);
De repente, alguém adentra o mundo;
Um olhar e uma frase (única e exclusivamente dedicados à mim);
Em troca de uma cadeira vazia.
Aceito.
Nem lembro dos primeiros goles;
Apenas percebo os copos vazios se acumulando;
E com eles...  envelheço.
Ali, sentado, pensando, bebendo;
Bebendo a vida que passa, trazida e levada pelo tempo;
E a mesa permanece inabitada, senão por mim.

Foto: Manuel Sardinha

quarta-feira, 21 de março de 2012

Traído pelos Anseios

A escuridão é bela por esconder o mundo;
O silêncio é agradável por cessar os gritos;
Não consigo ainda usufruir do medo e todo seu conforto, 
por não ter aprendido ainda a me livrar da necessidade da coragem.
Não sou covarde, mas parecer ingênuo é útil;
Aceito as regras e também me valho delas;
Suporto muito, não querendo.
Tudo queima, gira, explode, esvai, invade...
Invade.
Gosto que me carregue contigo, mesmo me fazendo sangrar;
Assim faço-me-desfaço;
Sendo traído pelos meus anseios, destruído por minha bravura;
Reconstruído por pedaços de guerras - travadas, sangradas, vencidas;
Que se tornam/transformam parte de todo meu ser - a viver e a ver esvaecer.
Traído pelos anseios, traído pelos anseios...

Foto: João Santos

terça-feira, 20 de março de 2012

Primavera de Sol e Tempestade

Guardo lamentosas lembranças;
Nas sombras, os pensamentos se mostram desfigurados;
A porta, se mostra inalcançável...  e tudo se deita no que é oco.
Mantido, confinado ao peso de tudo que fiz;
Ouvindo os diferentes lados dos gritos da mesma fonte;
O vislumbre de uma fuga, o abraço de um medo doloroso.
Esperança e culpa inundam as ruas... e o quarto.
A fúria no olhar faz acumular o medo;
Mostrado nas lágrimas que banham o pecado.
Os desejos são pesadelos que se tornam espinhos cravados em veias;
As mentiras disso tudo tentam esconder toda a dor;
Como uma primavera, faz esconder uma tempestade com um dia ensolarado.

Foto: Mário Rosado

Estrada

Ando;
No compasso do meu passo;
Envolto;
Ao abraço do espaço;
No caminho, em silêncio;
Em pedaços me desfaço.