quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Mesma Ferida

Foram muitas, as respostas que encontrei em você;
Para o bem, para o mal, para o nada;
O sutil desencontro com o rancor;
Preservado no silêncio que costumava explicar tudo.
Dois rios correndo lado a lado;
Nutrindo-se da mesma chuva;
Usando o vento para construir entre si,
um relevo intransponível.
Secando, antes de desaguar.
Celebramos nosso funeral com honras e sorrisos;
Duas mãos, uma pena, fazendo o mesmo ponto final.
Nos mantivemos leais em consciência;
Concordando com a morte para um futuro reflorescer,
em lugares diferentes,
com novas terras a experimentar.
Nos cercando de novos mundos;
A permitir que novas impressões nos atinjam;
Nos envolvam, nos completem e nos machuquem...
E assim lembramos que será a mesma ferida,
que sangrará para sempre.

Modelo: Ana

Sem Vida

Cinzas não queimam;
O fogo por si só, tentando arrancar o que não há mais em mim;
Em estado de pó, morto e já enterrado,
obrigado a ainda caminhar;
Não sendo capaz de sentir a grama nos pés.
Não há redenção, como não houve motivo;
Apenas ouvidos que se negaram a compreender;
Que preferiram um cinismo leviano à uma tormenta digna.
Uma mão que preferiu cobrir com terra,
à abrir as janelas...  e os olhos.
Mas morte é morte, e pouco importam os meios.
Tudo leva ao inanimado e à certeza do final;
Da inexistência de braços a te segurar na pior queda.
Claro que nunca foi o que poderia me bastar;
Uma dança que não deu certo;
Assassinada e condenada ao passado pelo último acorde,
que preenchendo o salão, soou longo e vagarosamente.
Quando ninguém mais se dava a ouvi-lo;
Uma nota moribunda, se dando à certeza de seu final iminente;
Deixando-se queimar pelo espaço que preenche e definha;
Voltando ao nada, inanimado e silencioso;
Sem eco, apenas cinzas.

Modelo: Bruna

domingo, 29 de setembro de 2013

Copo Vazio

Bebo.
Uma forma eficaz para se lidar com demônios;
Uma maneira de suicidar-se poupando a carne;
Uma fuga, um encontro, um desconhecido "eu" que se mostra,
para ser esquecido na manhã seguinte;
Um reflexo, que não se vê.
Te vejo turva e liquefeita;
A preencher-me a língua e entre os dentes;
A me consumir em sangue, saliva e pólvora;
A me engolir, vagarosamente.
Me dedico à ti, sem ressalvas nem galanteios baratos;
Te percorro inteira, entre os dedos, 
entre as pernas, da nuca ao tornozelo;
Te ouço, te olho, te cheiro, te como;
Te sonho.
E a devorar-me, abandona-me;
Me joga aos leões e apontando o dedo,
ri de mim.
Me cospe, me regurgita e de mim, se livra;
Risca meu nome, busca outro;
E assim me condena,
a voltar a beber sozinho.


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Linda Mentira

Nem devasso o bastante para ser sábio;
Nem ponderado o bastante para não ser sincero;
Me cubro de ferro e pedras;
Construo um casulo que me serve de prisão.
A beleza lânguida se resume em memória.
Transbordam dissonantes palavras frente a contraditórias ações;
O filme já visto, em traduções diferentes;
A mesma piada, de tom sem graça e risos forçados.
Sempre encontro o que busco;
Mas é raro gostar do que vejo ao levantar o véu;
Ao viver uma verdade abominável,
ou ao me encantar com uma mentira mundana;
De finos tratos, dissimulados olhares e um toque frio;
Mas cultivada sempre com ardor e pureza,
nos breves instantes que se faz relevante;
A surgir e a esmorecer por muitas vezes;
Sempre a fazer sorrir e sangrar,
conforme seu propósito natural.
Traz consigo uma dose de devassidão, outra de sabedoria;
Nunca bebo de ambas.
Mas está lá, ao meu dispor;
A iluminar e a escurecer;
Não só a mim, mas à quem melhor e pior lhe convir.

Modelo: Ana

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Sem Verdades

Este caos, que não me abandona;
Só faz crescer em mim algo que temo,
mais do que a maioria das coisas que o mundo tende a me oferecer;
Também não fujo.
Permito que o fogo me queime até onde acreditar que aguento;
E se outra vida for capaz de lavar meus pecados,
Reduzo meus escrúpulos e permito que algum conforto se aproxime;
Que algum perfume desconhecido tome conta do meu ar;
E eu, respirar sem medo de envenenar-me.
Algo tão fácil de ser sonhado;
Uma única vez, sem defesas.
Algumas palavras novas aprendidas,
para ter o que jogar em um futuro mar de esquecimento.
O preço de uma aposta alta com cartas ruins,
é o rosto que se mostra.
A verdade sempre se deita em uma cama de pregos;
Se põe à prova sem medo algum;
E sempre fere ou é ferida,
por nunca ser absoluta.

Modelo: Camila

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Minha Gratidão

Me é inesperada, essa súbita covardia;
Experimentar alguns breves momentos em que a calmaria me foge;
Uma deliciosa incerteza que me remete à fragilidade;
Por muito tempo, a mantive adormecida, até esquecer.
Agora, mesmo que facilmente transponível,
me deixa curioso em decifrar o que há em você.
Talvez seja meramente o abismo que separa nossos mundos;
Talvez o caos pontual, porém generalizado, que me atinge exatamente nestes dias;
E talvez jamais saberei se foi você que trouxe consigo a ventania;
Ou se és apenas mais uma folha seca que caiu na minha varanda,
após se desprender de um galho fraco.
A meu cargo está decidir,
entre te varrer para a rua,
ou guardá-la e assistir o seu esvaecer.
Creio ser o caos já mencionado, o motivo de eu te manter por perto;
Não como uma distração, mas como uma forma de equilibrar algumas sensações;
Como a fragilidade, recém despertada, tomando o lugar da frieza;
Presente, absoluta e oficial de seu posto.
Lhe sou grato por isso;
Como sou grato pelo sangue,
que insiste em continuar correndo pelas minhas veias.

Photo: Vitor Costa

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Sua Escolha

...e você providenciou a sua partida.
Fez bem em não pedir minha opinião;
Nem mesmo consigo imaginar-me equilibrando opções;
Não houve/há ternura.
É certo que me foi servido um prato mal feito;
Sem cuidado nem apreço algum;
Não que tenha importância;
O descrédito tem lá as suas vantagens,
como demonstrar que a linha terminará em breve;
E assim pude saltar sem o desespero da urgência.
Pude me retirar em tempo;
E pude observar a sua escolha de ir até o final,
se deliciar com o resultado de conseguir alçar voo
ou sucumbir ao abismo.
O final também pouco importa;
Qualquer que fosse, seria digno dos meus aplausos.
E foi.
Sou grato pela viagem;
Curta e veloz como uma antiga canção do Elvis;
Quase me iludi ao supor que pudéssemos talvez,
parar em algum paraíso pelo caminho.
Mas não.
Eu a deixei lá;
Nas profundezas da sua própria escolha.

Photo: Unknown

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Cansado de Você

Quando eu cansar de mim,
Posso quebrar os móveis da sala,
Secar um scotch...  edição de 1962, talvez.
Apegar-me a algum capítulo específico de algum livro aleatório;
Largar-me na estrada com um nome novo inventado a cada dia;
Vestir minha melhor roupa, desafiar um desconhecido para uma partida de bilhar,
em algum bar mal iluminado, cheio de fumaça e drinks baratos numa madrugada de terça-feira.
Ou ainda, me dar à psicanálise,
Tentando me fazer entender que “a vida é assim” e devo me acostumar;
Tornar-me um insensível dirigindo-me ao pôr-do-sol, para onde todos parecem querer ir;
E assim, não enxergar que vou ficando cego.
Por cansar de mim...
Por isso é sempre tão mais fácil, fazer-me cansar de você.

Photo: Elena Fidanovska

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Nenhum Ferimento

Me pego pensando em quanto ainda durará este olhar;
Quantas voltas em espiral ainda daremos juntos;
Quantos toques ainda nos restam...
Nos encontramos sentados na plateia, a assistir o desejo esvaecer-se;
Se perdendo, como o orvalho sobre a grama em uma manhã que se pretende ensolarada.
E é belíssimo!
Eu sei que estarei pronto para deixá-la ir;
Tenho me preparado para isso desde o início;
Do contrário, não seria possível me doar tanto agora,
Jamais seria capaz de perpetuar um esforço tão latente.
Então me dedico a fazê-la desaparecer, mesclando-a ao que passa;
Fadando-a a se tornar uma bela lembrança,
De visões e sensações, mas não de sentimentos.
Não deve ferir-se, mas curar-se, por si só.

Photo: Unknown

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Verdades Vulneráveis

Não sei se “amadurecer” seja o termo correto;
Apenas que o tempo fez com que eu suportasse menos as minhas discrições;
Talvez tenha se tornado um vício perseguir as minhas verdades,
Através da exposição das minhas mentiras.
Algumas com o intuito de afagar quem me rodeia com impressões ternas e agradáveis;
Outras propositalmente, por algum motivo perverso qualquer;
Outras por pura vaidade.
Já as indiscrições fazem de mim uma peça oca;
Destroem todo o mistério que desperta o interesse.
A verdade é que não há explicação plausível que se faça necessária.
Sou verdades e sou mentiras...  Me orgulho mais das últimas.
“Verdades sempre me fazem morrer”, já dizia um escritor.
E à medida que me proponho a despir-me das minhas mentiras,
Esqueço-me do quão vulnerável me torno, o quão fácil se torna devorar-me.
Acordo tarde; arrependo-me...
E passo a odiar o amadurecimento que o passar dos anos me rendeu.

Foto: Branco da Costa

segunda-feira, 18 de março de 2013

Não Hesite em Ir Embora

E no que se tornou essa matéria?
No quê se encarregou a vida de torná-la?
Melhor talvez se permanecesse o que um dia deixava de ser;
E o que quer que tenha sido, foi muito diferente do que, ao menos eu, teria esperado, caso esperasse.
E ainda, fui eu o ingênuo a buscar água e me pôr a regar uma erva daninha;
Como que crendo que dela pudesse florescer algo bom, bonito talvez;
Sem lamentar o dia que secaria, pois um dia, teria que secar.
Queria poder cultivar a infelicidade à nossa maneira;
Dando à ela água e sol conforme fosse necessário;
Despretensiosamente.
Não havia necessidade de decorar a sala;
Muito menos de proporcionar sombra para sentarmos de mãos dadas numa tarde quente qualquer.
Apenas crescer, florescer e morrer de forma bela;
Como é tão comum para todo o resto.
Agora volto para o meu mundo novamente;
Mas desta vez, não por minha escolha ou vontade,
Mas por ver todo o resto desmoronar, como se qualquer caminho me levasse a sucumbir ao submundo que existe em mim,
Do qual fujo desde sempre.

Foto: Jay Achandran

domingo, 13 de janeiro de 2013

A Chuva Sua

Ainda que me sorrires, eu entenderei.
Lembro do dia amanhecer depois de você ter ido embora,
como que deixando um rastro de pétalas para saber o caminho de volta.
Compreendi tarde que era eu quem deveria ter seguido este caminho,
ao invés de esperar.
Permaneci aqui, sem sair do meu mundo,
de certa forma, esperando que um dia você chegasse arrombando a porta...
Informando-me, que ficaria.
Em minha defesa, 
digo que não quis cortar suas asas,
não quis desequilibrar suas escolhas,
influenciar seus anseios.
Percebo que isso te afastou e agora me resta continuar;
Devo continuar por mim,
pelo espaço que se formou entre nós;
Com a esperança de evitar qualquer dor,
me agrada termos conseguido lidar com nossas verdades,
enquanto tivemos tempo;
Tempo gasto em conversas e conversas,
contendo ações pelo medo do fracasso;
Que agora é o pior dos meus arrependimentos.
Hoje, desejo que saboreie a chuva;
Que ela dure o tanto quanto te fizer bem.
Permanecerei te observando pela janela de um quarto quente e seco,
e me fará bem te ver contente.
Vou lidar comigo, como sempre faço.
Aguardando que tudo esmoreça com o tempo,
certo de que funcionará;
Mas não me permitirei te acompanhar na chuva.
Ela será sempre, somente sua.
E o espaço que se criou entre nós,
você preencherá com chuva;
Eu preencherei com tempo.

Foto: Kalpten Yansimalar