sexta-feira, 30 de março de 2012

Nossas Cinzas

A queimar e a sorrir;
Não se tem nada por real;
Como o sangrar silencioso e lento do florescer;
O cair das cinzas não se faz percebido.
Ao contrário, o vento que grita ao rasgar cortinas;
Se mostra presente sem efeito algum... senão estético.
Solenemente nos damos as mãos;
E juntos saltamos em catarse,
Entregues a esmo para o indiferente adormecer;
Para a mútua cessão de estímulos;
Para o enterro de todo interesse.
Nos fazemos inanimados;
Nos prostramos descalços, porém coroados;
Envoltos em frases ensaiadas,
Não nos damos conta do caminhar tendencioso,
Da verdade, que definha.
Sem mais cortinas a rasgar.
O vento recolhe as cinzas;
Fazendo de nós, o nada;
Com os cumprimentos de todo sentido que uma vez, talvez,
Aspirávamos a fazer.

Foto: José Magalhães

sábado, 24 de março de 2012

Aceitação

Sustento a respiração por vergonha;
Sem mim estás...  e assim permanece;
Certo de querer teu corpo inteiro,
Mas não tua mão;
Que abre em mim mil feridas;
Que faz pulsar o que não sentes.
De tudo e qualquer coisa que falo;
Não lhe diz coisa alguma.
Instintos só atrapalham;
A lógica transformada em emoção;
E a preocupação estimula a fuga.
O prazer e a dor semeados;
Fazem florir o desespero;
Conhecido sem sentido;
Ao passar dos dias sufocado, retraído;
No derramar espesso que cobre a noção de tudo;
Que cala o cantar dos sonhos.
Não me reconheço em nada;
Não mais faço juz aos títulos;
Não quero voltar.
Me esforço a crer no que devo;
Na unidade, fragmentada pelo silêncio;
E o que isso representa;
Desviando da angústia estridente;
E me apoiando no hábito formal da aceitação.

Foto: Unknown

sexta-feira, 23 de março de 2012

Canção Antiga

Imagino que seja longe, para onde vou;
Certo de que as vergonhas e os fracassos.
São realmente dignos de serem levados comigo;
Espero ter talvez, alguma relevância;
Que alguém talvez faça uso de mim pelo caminho;
Para qualquer fim que seja.
Frágil demais para não imaginar te ver depois de uma curva ou outra;
Ou debaixo de uma garoa num passeio de domingo a tarde;
Me faço disponível e me ofereço;
Para qualquer fim que seja.
Não que eu não canse;
Apenas me sinto bem, proporcionando o usufruto.
Sirva-se de mim;
Antes que eu seque, vire pó e me jogue ao vento;
Feito uma canção antiga que não se ouve mais;
Antes que eu atinja o "longe".

Foto: Dalila Silva

quinta-feira, 22 de março de 2012

Copos de Vida

A mesa se mostra inabitada, senão por mim;
Esvazio todos os copos servidos pelo tempo;
Este nunca se cansa de trazê-los.
Lá fora chove na maior parte do tempo (mas não o tempo todo);
De repente, alguém adentra o mundo;
Um olhar e uma frase (única e exclusivamente dedicados à mim);
Em troca de uma cadeira vazia.
Aceito.
Nem lembro dos primeiros goles;
Apenas percebo os copos vazios se acumulando;
E com eles...  envelheço.
Ali, sentado, pensando, bebendo;
Bebendo a vida que passa, trazida e levada pelo tempo;
E a mesa permanece inabitada, senão por mim.

Foto: Manuel Sardinha

quarta-feira, 21 de março de 2012

Traído pelos Anseios

A escuridão é bela por esconder o mundo;
O silêncio é agradável por cessar os gritos;
Não consigo ainda usufruir do medo e todo seu conforto, 
por não ter aprendido ainda a me livrar da necessidade da coragem.
Não sou covarde, mas parecer ingênuo é útil;
Aceito as regras e também me valho delas;
Suporto muito, não querendo.
Tudo queima, gira, explode, esvai, invade...
Invade.
Gosto que me carregue contigo, mesmo me fazendo sangrar;
Assim faço-me-desfaço;
Sendo traído pelos meus anseios, destruído por minha bravura;
Reconstruído por pedaços de guerras - travadas, sangradas, vencidas;
Que se tornam/transformam parte de todo meu ser - a viver e a ver esvaecer.
Traído pelos anseios, traído pelos anseios...

Foto: João Santos

terça-feira, 20 de março de 2012

Primavera de Sol e Tempestade

Guardo lamentosas lembranças;
Nas sombras, os pensamentos se mostram desfigurados;
A porta, se mostra inalcançável...  e tudo se deita no que é oco.
Mantido, confinado ao peso de tudo que fiz;
Ouvindo os diferentes lados dos gritos da mesma fonte;
O vislumbre de uma fuga, o abraço de um medo doloroso.
Esperança e culpa inundam as ruas... e o quarto.
A fúria no olhar faz acumular o medo;
Mostrado nas lágrimas que banham o pecado.
Os desejos são pesadelos que se tornam espinhos cravados em veias;
As mentiras disso tudo tentam esconder toda a dor;
Como uma primavera, faz esconder uma tempestade com um dia ensolarado.

Foto: Mário Rosado

Estrada

Ando;
No compasso do meu passo;
Envolto;
Ao abraço do espaço;
No caminho, em silêncio;
Em pedaços me desfaço.